Quando o silêncio acompanha o cortejo

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Quando o silêncio acompanha o cortejo

Há momentos na vida em que o silêncio fala mais alto do que qualquer palavra.

Hoje, ao descer acompanhando o cortejo até o cemitério, meu coração estava pesado. Não apenas pelos passos lentos, mas pelo peso invisível da dor que caminhava ao nosso lado. Diante de nós, um pequeno caixão. Ao lado, um pai desolado, seguindo em silêncio, com o olhar perdido e o coração despedaçado. Uma vida que nasceu e partiu quase no mesmo instante.

Há dores que não deveriam existir. Mas existem. E quando elas chegam, não pedem licença nem explicação.

A perda de um filho não segue a ordem natural da vida. Não faz sentido. Não se organiza em palavras. Apenas dói. Dói fundo, dói calado, dói onde ninguém alcança.

Enquanto caminhava, lembrei-me de Davi. A Bíblia registra um dos textos mais difíceis de ler, justamente porque nos confronta com o mistério da dor e da soberania de Deus. Em 2 Samuel 12, após a morte de seu filho, o texto diz que Davi levantou-se, lavou-se, mudou suas vestes, entrou na casa do Senhor e adorou; depois, voltou para casa e comeu (2 Samuel 12:20).

Esse texto não nos ensina frieza. Não nos ensina indiferença. Ele nos ensina algo muito mais profundo: há dores que não são superadas, mas são carregadas na presença de Deus.

Davi chorou enquanto havia esperança. Jejuou, orou, suplicou. Mas quando a morte chegou, ele compreendeu algo que todos nós, cedo ou tarde, precisamos aprender: a vida continua, mesmo quando o coração permanece ferido. Não porque a dor acabou, mas porque Deus permanece.

A Bíblia nunca romantiza o sofrimento, mas também não o esconde. Ela nos mostra um Deus que entra na dor humana. Em João 11, diante do túmulo de Lázaro, o texto é curto e profundo: “Jesus chorou” (João 11:35). O Filho de Deus não negou as lágrimas, não espiritualizou a dor, não a tratou como fraqueza. Ele chorou. Isso nos ensina que chorar não é falta de fé; é expressão de humanidade diante de um Deus que se importa.

Aquela bebê não conheceu a dureza deste mundo. Não conheceu a violência da vida, nem as marcas do pecado. Cremos que foi acolhida diretamente nos braços do Pai. As palavras de Jesus ecoam como consolo em meio à dor: “Deixai vir a mim os pequeninos, porque dos tais é o Reino dos céus” (Mateus 19:14).

Para os pais, ficou o vazio. Para a família, ficou o silêncio. Para Deus, ficou uma vida guardada em amor.

O salmista nos lembra: “Perto está o Senhor dos que têm o coração quebrantado” (Salmo 34:18).

Perto. Não distante. Não indiferente. Perto do pai que segue o cortejo em silêncio. Perto da mãe que chora longe dos olhares. Perto de todos os que tentam entender o que não tem explicação.

Há momentos em que não perguntamos mais “por quê”, porque sabemos que não haverá resposta imediata. Mas aprendemos a perguntar: em quem descansaremos? E a fé cristã nos conduz a essa certeza: “Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na angústia” (Salmo 46:1).

O luto não tem prazo. A dor não segue calendário. Mas a presença de Deus é constante. Ele sustenta hoje, sustentará amanhã e caminhará com os que choram até o dia prometido, quando, como afirma a Escritura, Deus enxugará dos nossos olhos toda lágrima (Apocalipse 21:4).

Hoje, o cortejo desceu em silêncio. Mas nossa esperança aponta para cima.

Porque, mesmo quando a vida é breve demais para os nossos braços, ela nunca é pequena demais para o cuidado de Deus.

Diante de dores como essa, não nos resta outra atitude senão nos voltar para o Senhor. É tempo de oração, não de explicações apressadas. Tempo de abraçar, não de discursos longos. Tempo de lembrar que, mesmo quando o coração do pai caminha desolado atrás de um cortejo, Cristo caminha ao lado, sustentando com graça invisível, porém real.

A esperança cristã não nega a dor, mas a atravessa com fé. Olhamos para a cruz e lembramos que Jesus também conheceu o sofrimento, a perda e a morte — e, ainda assim, a ressurreição teve a última palavra.

Que o Espírito Santo console esta família, fortaleça o pai e a mãe, e nos ensine a descansar na certeza de que, em Cristo, nem mesmo a morte é o fim, mas o começo da eternidade com Deus.

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